terça-feira, 5 de novembro de 2013

Áurea Laguna e a personalidade que assina a antiga ata, Zoraide Rocha de Freitas

Em delicioso texto, nossa colega Áurea Laguna fala sobre Zoraide Rocha de Freitas, uma das personalidades citadas na ata histórica sobre a fundação do Núcleo da UBE .
Parabéns, Áurea e obrigada por estar sempre presente e participante.

Memórias Afetivas de ‘Tia Zoraide’


Tal qual o narrador da obra de Marcel Proust, Em busca do tempo perdido que após mergulhar os biscoitos madeleines na chávena de chá, ofertada por sua mãe, recordara-se por meio da memória involuntária de uma mesma sensação vivenciada em situação semelhante na infância em Combray, na casa de sua tia Léonie, tento refazer o caminho inverso, usando a memória voluntária.
Vou até a cozinha, sirvo-me de um pedaço de bolo de fubá e começo a relembrar e a escrever, motivada ainda mais pelo cheiro e sabor dessa iguaria, sobre os primeiros encontros que tivemos com Zoraide Rocha de Freitas.
Viemos para Ribeirão Preto em 1963. Meu pai, Lincoln de Assis Moura, acabara de se aposentar em São Paulo no cargo de juiz de Direito da 6ª vara da família. Minha mãe, Naïr Pimentel de Assis Moura, formara-se, quando jovem, na Escola Normal Caetano de Campos em São Paulo e obtivera a sua primeira cadeira na cidade de Casa Branca. Não tínhamos parentes aqui, uma vez que o meu avô paterno, Mário de Assis Moura, advogado, professor de geografia no ginásio do estado Otoniel Mota e escritor de livros de Direito, publicados pela Editora Saraiva, já havia falecido há muito tempo.
Sempre que podíamos, frequentávamos a casa da ‘tia Zoraide’, como ela gostava de ser chamada, pois fora uma grande amiga da família Assis Moura, que morara na rua Prudente de Moraes, quase esquina com a Visconde de Inhaúma.
Lembro-me que, em uma ocasião, uma das minhas irmãs, residente em São Paulo, veio a Ribeirão Preto e a levamos para conhecer a nossa ‘nova amiga’. A ‘tia Zoraide’ levou um grande susto, pelo fato de a Marga parecer-se muito com a nossa avó paterna, Virgínia, falecida na década de 1930.
A dona Mariquinha, matriarca do clã Rocha Freitas, nos levava para a cozinha, oferecendo sempre os seus bolos de fubá. Era uma velhinha animada, que nos olhava com seus olhinhos azuis, tentando ouvir a conversa dos meus pais na sala, ao mesmo tempo em que queria nos agradar.
Morando em um sobrado na rua Visconde de Inhaúma, entre as ruas Prudente de Moraes e Lafaiete, no lado direito de quem sobe para a Avenida Nove de Julho, elas guardavam muitos livros em sua estantes. ‘Tia Zoraide’ era professora de língua portuguesa e se formara na Escola Normal de Casa Branca. Dominava vários idiomas e dedicava-se ao estudo da Grafologia e do Esperanto. Acreditava que essa língua seria a mais falada no futuro e tentava nos dar algumas explicações sobre a sua formação.
Exigente com o uso correto da nossa língua, gostava de narrar passagens do seu dia a dia na sala de aula. Certa vez, um aluno lhe dissera que estava com muita dó de alguém. Ela foi até à lousa e fez uma figura masculina, colocando-lhe uma saia, chamando-o de DÓ, com lágrimas em seus olhos. Disse que o DÓ estava chorando porque o estavam tratando como se fosse uma mulher.
Em um outro momento, contou que as pessoas sempre confundiam o uso do há, do verbo haver com a vogal a. Era para nos lembrarmos de que quando citávamos um fato acontecido, o a precisava de uma cadeirinha (h) porque estava cansado. Ex: Foi há muito tempo que eu nasci. No futuro, era para usarmos somente o a como preposição, pois ele era novinho e não precisava da cadeira. Ex: Daqui a três anos, estarei formada.
   ‘Tia Zoraide’ nasceu no dia 13 de fevereiro de 1898. Formou-se na Escola Normal de Casa Branca e foi diretora da primeira escola industrial fundada em São Paulo, para as mulheres, em 1911, no bairro do Brás. Escreveu: A chave da análise sintática em 1925 e A História do Ensino Profissional no Brasil em 1954.
    Meus pais nasceram em 1909 e mesmo sendo onze anos mais velha, ela poderia ter recordações do passado em Ribeirão Preto para compartilhar com meu pai e lembranças de pessoas conhecidas de minha mãe na cidade de Casa Branca.
     A última vez em que a vi foi na década de 1990, quando ela me chamou para avaliar muitos de seus livros, pois estava de mudança para São Paulo e não poderia levar todos consigo. Naquela época, corri a telefonar para a minha mãe, que já havia voltado para a capital para lhe contar a novidade. Não me recordo se elas se encontraram. Soube apenas que a “Tia Zoraide” morreu com mais de cem anos, trabalhando sempre em prol da educação brasileira e do ensino da nossa língua portuguesa.
Áurea Laguna
Membro da UBE – Ribeirão Preto



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