segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Três poemas inéditos de Rita Mourão





O QUE ME CONSTRÓI
          Rita Mourão
Não sou  poeta solitária,
carrego em mim uma agilidade humana,
que tem  dom de se multiplicar.
Quero cantar o presente, ser fruto e ser semente,
comer e frutificar a maçã com a sã consciência
de que sou parceira da vida.
Quero sentir o sabor da entrega habitual,   
ritual  e oferenda à criação.
E a maçã extraordinariamente  madura
perpetuará o amor em explosão,
dom que se derrama e se faz nova Criatura.
 Ou se come do fruto ou  se morre sem multiplicação.



                   SUPREMACIA DA PALAVRA  
Sou leitora das minhas  possibilidades.
Leio-me e a fragilidade se aflora.
A  hora é de descobertas, desenhando a vida.  
Sou feita da Palavra que se multiplica,
um corpo regido por decreto.
Descubro em mim os  principais verbos do meu contexto,
frágil texto, ensaio de um incerto vir a ser.
“Nasce, vive,  morre, são  Palavras em ação
na arena da vida.
Sou corpo, receptáculo da Palavra,
Senhora das horas que me decrescem.
A Palavra  constrói  e  destrói
e o  Verbo é soberano, dele emana o tempo.
Viver é  ir-se embora, um despedir-se de cada hora.
Não me agrada ser corpo, é a Palavra quem lavra as sentenças.
Ser Palavra, ser variante, arcaica ou moderna,
mas eterna, recriando o verbo estar.  
E meu corpo se rebela, ao perceber que a Palavra  constrói
e destrói,  sem macular o corpo dela.
Sou   Palavra viva  enquanto vivo, depois serei essência,
uma  volátil presença do AMOR SUPREMO.
E a vida segue com  olhos de  touro.
 Só a Palavra é eterna.     (Rita Mourão)   


 Quando Ele chegar
                                Rita Mourão
A  mesa já foi posta.
O pão fermentado aguarda silencioso
a hora de ser imolado.
O vinho na taça                                                                                                           tinge de sangue os meus olhos expectantes.
A noite se aproxima, 
 o medo se inclina sobre meu corpo desinformado.
 Não  sei a hora exata da chegada
e a minha  humanizada natureza se aflige.
 Quero estar pronta e refaço todos os dias
 a limpeza dos ornamentos da mesa,
rituais  de uma última ceia.
Quando  Ele chegar encontrará a porta aberta,
 o alimento purificado para a oferta
e na partilha do pão me revelará sua glória.
Minhas expressões tomarão formas  de eternidade
e a suavidade do Amor Pleno povoará meu corpo transfigurado.
 Eu tocarei o rosto de Deus,  serei pássaro, serei anjo
e voarei sem o peso do invólucro que envolve a minha alma.
Vivi a vida,  a vida  agora me vive e me desarma.
Na mesa posta  uma vela bruxuleia,
à  espera da última ceia.             

Nenhum comentário:

Postar um comentário