O QUE ME CONSTRÓI
Rita Mourão
Não sou poeta solitária,
que tem dom de se
multiplicar.
Quero cantar o presente, ser fruto e ser semente,
comer e frutificar a maçã com a sã consciência
de que sou parceira da vida.
Quero sentir o sabor da entrega habitual,
ritual e oferenda à
criação.
E a maçã extraordinariamente
madura
perpetuará o amor em explosão,
dom que se derrama e se faz nova Criatura.
Ou se come do fruto ou
se morre sem multiplicação.
SUPREMACIA DA PALAVRA
Sou leitora
das minhas possibilidades.
Leio-me e a
fragilidade se aflora.
A hora é de descobertas, desenhando a vida.
Sou feita da
Palavra que se multiplica,
um corpo
regido por decreto.
Descubro em
mim os principais verbos do meu
contexto,
frágil
texto, ensaio de um incerto vir a ser.
“Nasce,
vive, morre, são Palavras em ação
na arena da
vida.
Sou corpo, receptáculo
da Palavra,
Senhora das
horas que me decrescem.
A Palavra constrói e destrói
e o Verbo é soberano, dele emana o tempo.
Não me
agrada ser corpo, é a Palavra quem lavra as sentenças.
Ser Palavra,
ser variante, arcaica ou moderna,
mas eterna,
recriando o verbo estar.
E meu corpo
se rebela, ao perceber que a Palavra constrói
e destrói, sem macular o corpo dela.
Sou Palavra
viva enquanto vivo, depois serei
essência,
uma volátil presença do AMOR SUPREMO.
E a vida
segue com olhos de touro.
Só a Palavra é eterna. (Rita Mourão)
Quando Ele
chegar
Rita Mourão
A mesa já foi posta.
O pão
fermentado aguarda silencioso
a hora de
ser imolado.
O vinho na
taça
tinge de sangue os
meus olhos expectantes.
A noite se
aproxima,
Não sei
a hora exata da chegada
e a
minha humanizada natureza se aflige.
Quero estar pronta e refaço todos os dias
a limpeza dos ornamentos da mesa,
rituais de uma última ceia.
Quando Ele chegar encontrará a porta aberta,
o alimento purificado para a oferta
e na
partilha do pão me revelará sua glória.
Minhas
expressões tomarão formas de eternidade
e a
suavidade do Amor Pleno povoará meu corpo transfigurado.
Eu tocarei o rosto de Deus, serei pássaro, serei anjo
e voarei sem
o peso do invólucro que envolve a minha alma.
Vivi a vida,
a vida
agora me vive e me desarma.
Na mesa
posta uma vela bruxuleia,
à espera da última ceia.
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