terça-feira, 21 de julho de 2015

Dia do escritor


Dia 25 de julho é dia Nacional do Escritor.

A data foi fixada por intermédio da UBE, União Brasileira de Escritores, na iniciativa de seus presidentes João Peregrino Júnior e Jorge Amado, durante o Primeiro Festival do Escritor Brasileiro, realizado na década de 60.

Para comemorar a data, e abraçá-los no carinho de irmãos,  destaco um trecho, que bem nos retrata, de um texto de Rodolfo Konder, que integra a Antologia de Crônicas da UBE, organizada por Marcelo Nocelli e lançada em 2014, durante a Bienal do Livro de SP.

Parabéns!!

Eliane Ratier- coordenadora do Núcleo de Ribeirão Preto da UBE.

"Os escritores geralmente não sabem administrar bens nem lidar com dinheiro, não entendem a política cambial nem de juros acumulados. Às vezes, sofrem de insônia, pressão alta e enxaqueca. Vivem acossados pela insegurança- será que meu livro vai fazer sucesso? Ficará encalhado? Você gostou do texto? Temem sempre os críticos, a rejeição dos leitores, e em certos países sombrios, a espada cega e implacável da censura. Mas essas criaturas de aparência frágil tornam a vida muito mais intensa, fazem das palavras um instrumento de magia, distribuem sonhos e emoções."



A PALAVRA E O SONHO - Rodolfo Konder

                  As palavras escritas frequentemente escoiceiam as verdades oficiais, como cavalos alados.                         
Mordem os torturadores, atacam os corruptos e os burocratas, conduzidas pela ética de quem as organiza.
 Além disso, nos fazem sonhar; abrem portas, janelas, cofres alçapões e caixas de Pandora; permitem que as flores nasçam em pleno asfalto; transformam o naufrágio da velhice num tempo de ventura, quando restam apenas “o homem e a alma”. As palavras escritas nos levam à Dinamarca ou nos transportam sobre as águas geladas do Báltico; percorrem conosco a veredas do Central Park, cobertas pelas folhas de um outono tardio; hospedam-nos num  maravilhoso castelo do século 14, em West Sussex, junto à um cemitério; revelam nos os mistérios dos maias e dos tehotihuacanos, dos toltecas e dos babilônios, dos minoicos e dos astecas; descem suavemene como a neve sobre os vivos  e os mortos; desvendam os segredos do passado- “ este quimérico museu de formas inconstantes”- e antecipam as vertigens do futuro; iluminam Paris e Jerusalém; despertam paixões, ressuscitam os mortos e desafiam os poderosos. Elas são mágicas e possuem poderes ilimitados, orientadas pela estética de quem as organiza.
                            Há pessoas que sonham - e vão buscar nas palavras o meio de manifestar seus sonhos. Num delicado trabalho de ourivesaria, elas selecionam frases, fazem o polimento das concordâncias, montam parágrafos, para provocar emoções e despertar a imaginação dos seus leitores. Esses misteriosos seres, solitários e eternamente insatisfeitos, são chamados escritores . Este ano, eles estarão presentes, pessoalmente ou por intermédio dos seus textos, em dois grandes encontros, no Brasil: a Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, e o salão Internacional do Livro, em São Paulo.
                             Os escritores geralmente não sabem administrar bens nem lidar com dinheiro, não entendem a política cambial nem de juros acumulados. Às vezes, sofrem de insônia, pressão alta e enxaqueca. Vivem acossados pela insegurança- será que meu livro vai fazer sucesso? Ficará encalhado? Você gostou do texto? Temem sempre os críticos, a rejeição dos leitores, e em certos países sombrios, a espada cega e implacável da censura. Mas essas criaturas de aparência frágil tornam a vida muito mais intensa, fazem das palavras um instrumento de magia, distribuem sonhos e emoções.
                               Os regimes autoritários sempre odeiam quem escreve. Na América Latina , por exemplo, poetas, romancistas, críticos e jornalistas foram perseguidos, durante os chamados “anos de chumbo”. Nos países socialistas também, porque as “ditaduras do proletariado” temiam os escritores e o poder desarmado de suas palavras. Até hoje, isso acontece em Cuba, no Marrocos, na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, na China e em outras nações que ainda não se encontraram com a democracia.
                                 Muitas vezes os escritores acabam na prisão. Mas a cadeia não é o único mal que se abate sobre eles. Há processos variados de intimidação, ameaças, isolamento, desemprego. Há também a censura, que os brasileiros já conheceram em diversos períodos da vida nacional. Durante a ditadura de Getúlio Vargas- o período conhecido como “Estado Novo”- tivemos um inesquecível exemplo da ação dos censores. Depois do golpe militar de 1964, também fomos obrigados a conviver com a censura, que se abateu sobre o País com uma praga, brandindo sua ignorância e sua truculência de forma implacável.
                                 Apesar de todos esses problemas, apesar de tantos obstáculos, os escritores escrevem. São teimosos, quase obstinados. Escrevem sempre, mesmo na penumbra. Até na escuridão, escrevem e nos iluminam. Com o seu ofício, eles nos ensinam, nos enternecem, nos emocionam, nos humanizam, nos aprimoram. E nos fazem sonhar.
                                    Num tempo já quase esquecido e tornado mítico, William Sheakespeare escreveu “ somos feitos da mesma matéria que são feitos os sonhos.” O sonho, portanto, é o nosso ponto de partida- e o nosso ponto de chegada. Talvez até nos acompanhe na viagem derradeira ao outro lado do tempo. “Morrer, dormir, quem sabe, sonhar...”, sugeriu o próprio Shakeaspeare, um escritor que, mesmo morto, ainda nos oferece sonhos fantásticos, com seus textos imortais.

RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, foi secretário municipal de cultura de São Paulo  
  

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